Roacutan e musculação podem andar juntos?
- Professor Igor
- 19 de fev. de 2015
- 4 min de leitura

Começaremos as postagens falando sobre um tema nada comum. Na verdade, antes de terem me feito esta pergunta eu nunca sequer tive a curiosidade de estudar sobre o assunto. Mas como o compromisso deste site é estudar profundamente cada caso, vamos a questão.
Na verdade isto não chegou a mim como uma questão, e sim como algo inesperado. Um aluno me disse que deveria parar de praticar musculação pois estava tratando do seu problema de foliculite com o uso de um medicamento dermatológico muito famoso chamado Roacutan (Roaccutane). A pouca informação que chegou até a mim foi que existe alguma relação negativa entre a Isotretinoína (Roacutan é o nome comercial) e a Creatina Quinase, que é um marcador fisiológico de dano muscular. Obviamente esta informação foi dita a ele por sua médica e ele ficou preocupado pois parece que existia uma probabilidade dele desenvolver Rabdomiólise caso continuasse o tratamento enquanto praticava musculação. Como eu nunca tinha ouvido falar sobre isso, decidi ir atrás para entender o que de fato acontece e como podemos ligar estas informações.

Primeiramente, vamos explicar bem para que serve o medicamento. O Roacutan é uma droga que é comercializada com o objetivo de tratar as formas graves de acne e quadros de acne resistentes a outros tratamentos(1). A isotretinoína é a substância ativa do Roacutan. Ela é um esteroisômero da tretinoína (Ácido Retinóico), que por sua vez é uma forma oxidada da vitamina A. A própria tretinoína é muito usada para o tratamento da acne e a Isotretinoína só é utilizada caso a tretinoína não demonstre resultados. A isotretinoína foi sintetizada em 1955 e é usada desde 1976 na Europa e 1980 nos EUA. Em 1982, começaram os tratamentos da Isotretinoína no Brasil e, desde então, tem sido utilizada como um tratamento efetivo principalmente para acne entre outros problemas de pele. Mas qual é a relação do Isotretinoína com a musculação?
Os dados de um estudo do Centro Clínico de Dermatologia da Força de Defesa Israelense podem responder esta pergunta. Em sua revisão, os autores perceberam que a mialgia e a rigidez muscular eram reportados em 16-51% dos pacientes tratados com isotretinoína, enquanto os níveis de creatina quinase (CK - do inglês, Creatine Kinase) eram altos em pouco mais de 41%(2). Além disso, parece que os níveis de CK são aumentados em pacientes em tratamento de isotretinoína como sugerido por um estudo de 1984(3). Sabe-se que a creatina quinase é uma enzima que está associado a musculação devido ao dano muscular que é induzido durante o exercício. Ou seja, quando ela é encontrada em pessoas saudáveis, está relacionada ao dano muscular induzido pelo exercício. Porém também pode ser encontrada em estágios pré-clínicos de doenças musculares(4). Daí começamos já a ligar as peças: se a CK é aumentada em pessoas em tratamento da Isotretinoína e também é produzida devido ao dano muscular induzido pelo exercício, o nível de CK de pessoas que participam de ambas atividades certamente será alto. Mas qual é a implicação clínica disso? Será que tem algum problema se o meu nível de CK for muito alto?

Parece que sim, e aqui chegamos na tal da Rabdomiólise. A Rabdomiólise é uma síndrome produzida pela necrose das células musculares estriadas e a conseqüente liberação de material tóxico na circulação(5). É definida como uma elevação da CK maior a 5 vezes do limite superior dos valores de normalidade. Um quadro clínico comum de pacientes com rabdomiólise são dores musculares e urina avermelhada (mioglobinuria). Na literatura, encontra-se considerável número de relatos de caso onde pacientes sujeitos ao tratamento de Isotretinoína desenvolvem rabdomiólise mesmo não fazendo atividades físicas intensas. Entre os relatos de caso, citarei um desenvolvido pelo Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Santiago da Compostela, Espanha(6). Neste relato, um rapaz de 16 anos iniciou o tratamento com Isotretinoína com 30 mg/24h (0,4mg/kg/24h) para acne papulopustulosa resistente a outros tratamentos. No início do tratamento, através de um exame de rotina podia-se ver que todos os parâmetros estavam normais. Devido a uma queilite servera (inflamação nos lábios) que foi apresentada no exame de revisão de 2 meses, sua dose foi reduzida para 20mg/24h. Em seguida, com exames físicos e bioquímicos bimensais percebeu-se que a acne havia melhorado notavelmente. Após 11 meses (já no final do tratamento), exames de revisão foram feitos pois o paciente reportava astenia moderada (perda de vigor). No novo exame foi detectado uma elevação da CK e da mioglobina plasmática com valores acima dos normais (801 UI/l - normal: 5-110 e 504 ng/ml - normal: 0-75, respectivamente). Dias antes dos exames, o paciente havia realizado levantamento de peso, o que, segundo o relato, não fazia habitualmente. A Isotretinoína foi suspendida e foi pedido ao paciente que bebesse muita água e que parasse as atividades físicas. Após três semanas, todos os parâmetros haviam se normalizado.
Portanto, se você pratica atividade física intensa e faz o uso do Roacutan, vale a pena conferir com seu médico os níveis de creatina quinase. A literatura recomenda que se você vai começar o tratamento com a Isotretinoína, pare de fazer a atividade física, faça os exames bioquímicos, e caso sua CK esteja nos níveis normais, comece o tratamento. Lembrando: a Rabdomiólise em níveis severos pode levar a óbito. Então, vale a pena ter todo o cuidado.
Caso haja mais perguntas, estarei disponível para respondê-las.
Até uma próxima!
Referências:
1. http://www.bulas.med.br/bula/3487/roacutan.htm
2. LANDAU, Marina et al. Clinical Significance of Markedly Elevated Serum Creatine Kinase Levels in Patients with Acne on Isotretinoin. Acta Dermato-Venereologica, v. 81, n. 5, 2001.
3. MCBURNEY, Elizabeth L.; ROSEN, Deborah A. Elevated creative phosphokinase with isotretinoin. Journal of the American Academy of Dermatology, v. 10, n. 3, p. 528-529, 1984.
4. BRANCACCIO, Paola; MAFFULLI, Nicola; LIMONGELLI, Francesco Mario. Creatine kinase monitoring in sport medicine. British medical bulletin, v. 81, n. 1, p. 209-230, 2007.
5. CHATZIZISIS, Yiannis S. et al. The syndrome of rhabdomyolysis: complications and treatment. European journal of internal medicine, v. 19, n. 8, p. 568-574, 2008.
6. GÓMEZ-BERNAL, S. et al. Rhabdomyolysis during isotretinoin therapy.Actas Dermo-Sifiliográficas (English Edition), v. 102, n. 5, p. 390-391, 2011.
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